quinta-feira, 20 de março de 2008

A TRADIÇÃO SAKYA


Mosteiro Sakya no sudeste do Tibete, centro da linhagem Khon,
fundado em 1.073 por Konchog Gyalpo, ancestral direto do atual Sakya Trizin.
Ainda que as quatro grandes tradições do budismo tibetano derivem da mesma filosofia budista Madyamika, existem certas peculiaridades em cada uma delas. Mas todas prestam reverência e obedecem aos conselhos de Sua Santidade o Dalai Lama. Assim também na tradição que se desenvolveu na região de Sakya ("terra branca"), no Tibet. Quando Atisha passou por ali, fez três prosternações e disse que via Manjusri, Vajrapani e Avalokitésvara e que lá se desenvolveria uma rica tradição.
O mosteiro Sakya foi construído ali em 1073 por um membro da família Khon: Konchok Gyalpo. Segundo a lenda, os primeiros membros desta família vieram do céu de Abhasvara. Coube a SACHEN KUNGA NYNPÔ (1092-1158), seu filho, o mérito de ser considerado o fundador da tradição Sakya. Ele recebeu ensinamentos diretamente de Manjusri, o bodhissatva da sabedoria, e foi praticante do ensinamento secreto chamado LANDRÉ, trazido da Índia por DROMI LOTSÁWA (992-1072), mestre de seu pai Gyalpo. Esse ensinamento, o LANDRÉ ("caminho que inclui o resultado"), se originou com o grande iogue indiano BIRWAPA (837-909, realização em 897 de nossa era). O fundador do nosso Centro, Ngawang Kunga Thechen Palbar Thinley Samphel Wangi Gyalpo, descendente direto da família Khon, é o 41 SAKYA TRIZIN ("detentor do trono de Sakya"). Sua irmã é JETSUN KUSHO, nossa Diretora Espiritual. Esta família guarda a mais antiga tradição do budismo. Um dos sete primeiros discípulos de Padmasambhava, que foi quem levou o Budismo para o Tibet, era da família Khon. Alguns reis tibetanos, antes do advento dos Dalai Lamas, pertenceram a esta família, como Sakya Pandita. Como se vê, não existe propriamente "budismo tibetano", mas sim o budismo indiano levado para o Tibet e ali conservado em toda a pureza de sua essência durante mais de mil anos.

SIGNIFICADO DA BANDEIRA SAKYA
O branco simboliza Avalokitesvara; o azul, Vajrapani; o vermelho, Manjushri. São os três bodhissátuas que Atisha viu quando passava pela região de Sakya, a caminho do Tibet. Atisha fez três prosternações àquele campo vazio, e disse que ali se desenvolveria uma importante tradição. Foi naquele sítio que, anos depois, Khön Khonchog Gyalpo construiu o Mosteiro Sakya, em 1073.

quarta-feira, 19 de março de 2008

OS GRANDES MESTRES SAKYAS

OS GRANDES MESTRES TIBETANOS
Palestra Pública Proferida em Friday Harbour, WA/EUA, dia 28 de julho 1995
Sua Santidade Sakya Trizin



Primeiramente eu quero agradecer a oportunidade que vocês me deram para compartilhar de algumas histórias de vida dos antigos mestres. E já que o tema desta noite aqui é a vida dos grandes mestres do antigo Tibet eu gostaria de começar com uma prece dedicada aos grandes Mestres passados e enquanto eu recito os que receberam os Ensinamentos pensem nas imensas qualidades dos grandes mestres:
Paldem tsawei lama rinpoche Dag gi chi wor pemei den sug ne Kaadrin chen pe gone je sung te Ku sung tug kyi ngo drub tsal du sol
Agora depois desta prece aos grandes mestres... Neste Universo no qual estamos residindo existem muitas diferentes raças, culturas, diferentes filosofias, mas uma coisa é comum a todos, é que todas as pessoas, todo ser vivo deseja estar livre do sofrimento. Todos desejam experimentar felicidades. Seja crente ou descrente, qualquer que seja a filosofia, qualquer que seja a tradição que você mantenha.
E para conseguir a felicidade todas as pessoas fizeram os seus melhores esforços. Para conseguir felicidade todas as nações construíram o progresso e para tanto muito trabalho foi realizado. Progresso científico e tecnológio. E houve muitas ações bem sucedidas, muitos problemas encontraram solução.
Mas é bastante claro que, sem desenvolvermos Sabedoria Profunda, o simples progresso material externo não nos dará muito sucesso quanto à paz e a felicidade que estamos perseguindo. Se o indivíduo não desenvolver a Sabedoria Profunda, o progresso material pode tornar-se mais um obstáculo do que um meio para consegui-lo.
E agora que estamos ingressando no novo Século ter Sabedoria Interior, progresso mental. Progresso material simultaneamente desenvolvendo a Sabedoria Interior, o Desenvolvimento Mental. Isto é muito importante.
E para conseguir esta Sabedoria Profunda temos atingir a meta da Paz Real e felicidade que buscamos.
E assim, para o desenvolvimento da grande sabedoria, neste mundo há muitas religiões. Eu pessoalmente acredito que todas as grandes religiões do mundo têm a sua beleza própria, a sua grandeza própria para desenvolver a bondade... mas como budista eu vou tentar apresentar o ponto de vista budista.
De acordo com o Ensinamento budista todos os seres viventes se tentarem seguir o desenvolvimento de um treinamento espiritual serão bem sucedidos, porque todos os seres viventes possuem a natureza búdica, o mesmo que dizer que a natureza mesma de nossas mentes, apesar de nunca estar totalmente livre de obscuridades, apesar de nunca estar livre de poluições, apesar disso a verdadeira natureza da mente é pura desde um tempo sem princípio, desde o sem princípio.
Mas neste momento nós não vemos a verdadeira natureza da mente que está completamente coberta de obscuridades e de poluição e de ilusões, divisões.
Em vez de ver a verdadeira natureza da mente é que, devido a não conhecermos a realidade é que nós nos inventamos como um "eu". E assim, devido a isto, para resolver o nosso sonho-de-um-eu nós nos aferramos a um "eu", como agregado do corpo, da mente, e tudo isso junto nós pegamos como um "eu" e isto é a fonte de toda a miséria e do sofrimento.
Para apropriadamente estarmos livres é preciso entrar no caminho espiritual e desenvolvendo aquela sabedoria profunda nós podemos eliminar as obscuridades, porque as obscuridades não são a natureza da mente, as obscuridades estão no nível da cobertura. Se as corrupções estivessem no nível da natureza da mente nada poderia ser transformado: o carvão não pode tornar-se branco por mais que o lavemos, porque a natureza do carvão é negra. Mas as corrupções não são a natureza da mente, elas são temporárias, assim com métodos corretos nós podemos eliminar as obscuridades, assim como uma roupa branca coberta de sujeira não deixa ver a real cor da roupa.
No momento nós não podemos ver a real natureza da mente porque está coberta de poluições.
O meio de eliminar essas corrupções á através do desenvolvimento do chamado Método e Sabedoria. O Método depende muito da Sabedoria. Se Sabedoria nós não podemos acumular o apropriado Método. Para acumular o apropriado Método nós precisamos de Sabedoria. E também para fazer brotar a Sabedoria nós necessitados do suporte do Método.
Com os dois juntos, o Método e a Sabedoria, é que uma pessoa pode eliminar todas as obscuridades. E quando as obscuridades são eliminadas você vê a verdadeira natureza da mente com a qual podemos ter sucesso, o que quer dizer, em outras palavras, atingir a Iluminação, com a qual teremos todos os meios para conseguir realizar todos os nossos desejos, e porque todas as obscuridades foram eliminadas todas as qualidades poderão se desenvolver. E por isso nossos próprios desejos, os nossos próprios propósitos são realizados, e ao mesmo tempo, através do desenvolvimento das qualidades, nós poderemos desenvolver o socorro a todos os seres.
Para conhecer as práticas espirituais é muito importante conhecer a vida dos grandes Mestres para que nos inspiremos a seguir os seus exemplos. Porque também os grandes Mestres foram todos pessoas comuns como nós, e como nós estiveram cheios de corrupções e cheios de obscuridades. Mas porque entraram no caminho espiritual, e devido à prática que fizeram com esforço puderam eliminar as obscuridades e desenvolver a Sabedoria e assim tiveram sucesso em suas práticas. Por isso é muito importante conhecer a biografia dos Grandes Mestres.
Também para fazer nascer a inspiração para a prática é muito interessante conhecer os grandes Mestres.
Como sabem, o Budismo começou na Índia. O Senhor Buddha nasceu na Índia e também atingiu a Iluminação na Índia. E também ali demonstrou suas grandes atividades físicas, suas grandes atividades verbais e suas grandes atividades mentais.
Mas a sua atividade mais importante ficou conhecida como "Girar a Roda", Girar a Roda do Dharma. O sentido disso é que a roda gira, pelo girar da roda é que nós atingimos nossa destino, ou seja, nós vamos de um lugar para outro.
Semelhantemente, girar a roda tem dois significados: um é que, grande realização tendo sido atingida pelo Buddha, através das palavras ele pôde transferi-la para nós, ou seja, assim como através da roda nós podemos viajar de um lugar para outro, através do girar a roda os seus Ensinamentos puderam se disseminar de um lugar para outro; outro sentido é que, primeiro nós ouvimos e aprendemos os Ensinamentos do Buddha, depois contemplamos, e a seguir meditamos sobre eles, e é através da meditação nós prosseguimos e vamos mais adiante no caminho espiritual.
Primeiramente vem do Buddha para nós, e depois num momento posterior nós também prosseguimos. Este é o sentido de girar a roda.
Por isso o girar a roda do Dharma é a maior atividade realizada pelo Buddha, porque através do girar a roda os seres foram capazes de eliminar as obscuridades e conseguir o sucesso posterior no caminho.
Depois que o Budismo se estabeleceu na Índia se disseminou em muitos países. Mas no Tibet, e graças à bondade de virtuosos Reis do Dharma, de seus ministros, de alguns panditas indianos, de tradutores, através deles o Tibet possui o completo Ensinamento do Buddha.
Ainda que em outras partes do mundo também possuam profundas doutrinas budistas, alguns têm apenas a parte hinayana, outras têm apenas a parte mahayana, outras têm a parte mantrayana (não completamente, mas têm).
O Tibet, porém, tem tudo, completo Ensinamento Hinayana, o completo Ensinamento Mahayana e o completo Ensinamento Mantrayana. E também tem as ciências relacionadas com a cultura budista, como a lógica, a arte e assim por diante.
O Tibet tem, não apenas o Ensinamento completo, mas o Mestres tibetanos tiveram a mesma realização que os Mestres indianos tiveram.
Diz-se que, certa vez um Mestre indiano chamado "Taba" Sangyê que era realmente um grande Mestre veio da Índia para o Tibet e ficou de um lado da montanha, quando do outro lado da montanha estava o grande Mestre tibetano Milarepa. Eles se conheciam e mandaram notícias um para o outro. Foi dito que de um lado da montanha estava o Mestre indiano, grande Mahasiddha, enquando se disse do outro lado que estava Milarepa. Ainda que naquele tempo não houvesse jornais (risos) mas havia algumas dakinis que levavam as mensagens de um para outro.
"Taba" Sangyê estava viajando para o outro lado para ver Milarepa, e Milarepa também foi do seu lado para o encontro.
Quando Milarepa estava próximo de "Taba" Sangyê ele desapareceu e transformou-se numa flor. E quando "Taba" Sangye chegou àquele lugar viu logo que aquela flor era Milarepa e... ele colheu a flor (risos). E ele disse: "Você tem aparecer para mim na sua verdadeira forma e não permanecer na forma de uma flor. Eu devo ver o seu verdadeiro corpo". E foi quando Milarepa apareceu e trocaram muitas experiências.
Finalmente, como por um milagre, os dois permaneceram sentados na postura de lótus sobre as folhas muito finas de uma espécie de capim. E, ainda que Milarepa fosse muito magro e pequeno, e ainda que "Taba" Sangyê fosse um homem muito grande e pesado, os dois se sentaram naqueles ramos muito finos e altos de capim sem vergá-los. Mas o peso de Milarepa parecia um pouquinho maior, pois o capim vergava um pouco.
Então se perguntou porque aquilo estava acontecendo, porque o leve Milarepa parecia levemente mais pesado. Então foi dito que era porque "Taba" Sangyê vinha da Índia, a pátria de todos os Buddhas do passado, do presente e do futuro, que era considerada um pouquinho mais sagrada do que o Tibet, ainda que o Tibet pudesse ser considerado um lugar sagrado mas não se igualava à Índia. Aquilo não acontecia devido à realização dos Mestres, mas sim devido à pátria de onde eles vinham. Não havia nenhuma diferença entre os dois no tocante à sua realização. É por isso que se diz que o Tibet herdou os Ensinamentos na sua pureza, e não há diferença de realização entre os Grandes Mestres Indianos e os Tibetanos. A única diferença está no lugar onde aqueles e estes nasceram.
E assim como cada um desses dois países tiveram grandes Mestres, também dentro do Tibet cada uma das quatro escolas do Budismo tiveram igualmente grandes Mestres. A escola Ningma, Sakya, Kagiu e Gelugpa tiveram todas elas grandes Mestres.
Da mesma forma a nossa tradição Sakya teve muitos grandes Mestres. Os antepassados da tradição Sakya tiveram Sete Grandes Khöns. Os Khön derivam diretamente de seres celestiais e mesmo naquele tempo antes do advento do Budismo eles eram emanações de Manjushri. Depois, quando o Budismo veio da Índia, essa tradição [Khön] cresceu na propagação do Buddha-Dharma e de fato um dos primeiros tibetanos a receber a completa transmissão e ordenação era um Khön, cujo nome era Nagarashita. Eram sete pessoas a receber a ordenação e ele era um dos mais jovens. Havia três velhos, um de meia idade, e três jovens. Nagarashita era o mais jovem. Todos eles se realizaram como monges completamente ordenados e isso foi muito auspicioso para o início da tradicão do mosteiro tibetano.
Nagarashita e seu irmão, Dorge Rinchem, receberam os profundos Ensinamentos diretamente de Guru Padmasambhava e por esta razão eles praticaram o se conhece como "antigos seguidores", o que em outras palavras eram os "Ningmapás".
Depois, o pai de Sachen Kunga Nyngpô, Khön Konchok Gyalpo, sentiu que devido às circunstâncias viera o tempo de estabelecer um escola separada; que, se ele começasse uma escola separada seria mais beneficioso; e assim a Escola Sakya foi estabelecida.
Khön Konchok Gyalpo estabeleceu o primeiro Mosteiro [Sakya]. Os Ensinamentos ali foram confiados aos Tradutores, porque o Ensinamentos que vieram dos tradutores eram considerados autênticos. Os Tradutores viajavam do Tibet para o Índia e ali se encontravam com os grandes Mestres indianos e recebiam os Ensinamentos.
Assim naquele tempo havia Dromi Lotsawa, um dos maiores tradutores. De fato, o grande Marpa, o fundador da Escola Kagiu, também estudou com Dromi Lotsawa. Dromi Lotsawa era um verdadeiro grande Mestre. Ele foi para a Índia e estudou com o grande "Karmalashila". Havia dois grandes Mosteiros naquele tempo na Índia. Um era Nalanda, e o outro era de "Karmalashila".
Ainda que em "Karmalashila" houvesse muitos outros sábios, ali havia seis grandes e renomados panditas. Ele eram conhecidos como os guardiães das portas, porque naquele tempo havia os budistas e os heréticos que vinham debatem sobre filosofia. Assim cada pandita estava sentado em cada uma das portas de cada lado. Quem viesse do Leste, o pandita da Porta do Leste iria desafiá-lo. Da mesma forma no Norte, e outros pontos cardeais... e no centro havia duas colunas de sustentação que completavam os seis grandes panditas. Dromi Lotsawa recebeu Ensinamentos com todos os seis panditas, ele era um grande Mestre também.
Principalmente Dromi Lotsawa recebeu de um Bikkhu (monge) chamado "Weel"Vajra o completo Tantra de Hevajra e completos Ensinamentos e instruções substanciais e a promessa de receber aquelas instruções em tibetano mesmo. Assim ele voltou para o Tibet e lá encontrou Gayadhara e de Gayadhara ele recebeu o Ensinamento LanDré.
Dromi Lotsawa foi o primeiro tibetano a receber o Ensinamento Landré, que é o principal Ensinamento Sakyapá que é o "Caminho e o Resultado Todos Juntos". Ele recebeu o LanDré e se transformou em real Dententor do Ensinamento. Teve muitos discípulos.
(Continua).

O QUE É O BUDISMO

O QUE É O BUDISMO
Entrevista com Sua Santidade Sakya Trizin



PERGUNTA: Por que devemos praticar os ensinamentos budistas?
RESPOSTA: Gostaria de responder à sua pergunta descrevendo os três tipos de pessoa que pratica o budismo: o pequeno, o médio e o elevado. E falando de maneira genérica, desde o pequeno inseto até o mais inteligente ser humano têm um ponto em comum: todos desejam ser felizes e todos desejam evitar o sofrimento. Mas a maioria dos seres humanos não compreende qual é a causa do sofrimento, e qual é a causa da felicidade. Pois os ensinamentos budistas e a sua prática poderão dar uma resposta satisfatória a estas questões.
PERGUNTA: Quais são as causas do sofrimento e da felicidade?
RESPOSTA: No "Ratnavali", Nagarjuna diz: "Toda ação que nasce do desejo, da aversão e da ignorância produz sofrimento; toda ação que nasce da ausência de desejo, de aversão e de ignorância produz felicidade". Mas como eu ia dizendo, existem aqueles três tipos de praticantes: o pequeno, o médio e o elevado. Como todos os outros seres, o praticante PEQUENO deseja ser feliz e não deseja nem o sofrimento nem o nascimento nos reinos inferiores de existência. Por isso ele pratica o budismo para criar as causas de renascimento no reino dos humanos ou nos reinos celestiais dos deuses. Este tipo não tem o poder, ou não tem a coragem de deixar completamente o mundo da existência. Ele apenas deseja a melhor parte do mundo da existência. Deseja evitar a pior parte, é por esta razão que pratica a religião budista: para conseguir um renascimento mais elevado. Agora o tipo MÉDIO compreende que a totalidade do mundo da existência, não importa onde ele renasça , é sofrimento pela sua própria natureza. Ele deseja livrar-se de tudo, deseja atingir o nirvana, o estado que está além do sofrimento. O praticante ELEVADO compreende que, assim como ele não deseja o sofrimento, e deseja a felicidade, da mesma maneira todos os seres vivos têm os mesmos medos e os mesmos desejos. Ele sabe que, desde que vimos renascendo repetidamente desde um tempo sem princípio no mundo da existência, não existe um único ser consciente que não tenha sido nossa mãe ou nosso pai em alguma ocasião. E como nós estamos tão pertos de todos os seres conscientes, o praticante elevado é aquela pessoa que pratica o budismo para retirar todos esses incontáveis seres do mundo do sofrimento.
PERGUNTA: Como devemos praticar?
RESPOSTA: O início de toda prática budista consiste em duas coisas fundamentais: A meditação das quatro recordações e a tomada de refúgio. As quatro recordações são:
l. A dificuldade de conseguir um nascimento humano. 2. A impermanência de todas as coisas samsáricas. 3. O sofrimento do mundo da existência. 4. A lei do carma, que significa causa-e-resultado.
De um modo geral, é muito difícil nascer como ser humano [1]. Nós pensamos que há muitos seres humanos, mas se nós compararmos com a quantidade dos outros seres veremos quão pouco somos. Por exemplo, em cada um de nossos corpos existem milhões de germens, micróbios, virus e assim por diante. Sobre a impermanência [2] o Buda disse: "os três reinos da existência são como nuvens no outono". Nós só temos certeza de duas coisas: a morte é certa e não sabemos quando ela chegará. Depois [3], não importa onde você esteja, lá chegará o sofrimento: ou o sofrimento do sofrimento, ou o sofrimento da mudança, ou o sofrimento da existência condicionada. O exemplo do primeiro pode ser uma dor qualquer; o segundo é claro, fácil de perceber; o terceiro significa a insatisfatoriedade da atividade humana: nós nunca estamos satisfeitos para sempre. A outra recordação [4], é o carma. Todas as coisas que fazemos têm uma causa no passado. Se você quiser saber o que você foi no passado, observe a sua situação presente. E o futuro, feliz ou infeliz, vai depender do que você está fazendo hoje. Se a raiz de uma árvore é medicinal, as flores, folhas serão medicinais. Finalmente, tomar refúgio marca a diferença entre budistas e não budistas. Refúgio significa que você renuncia e que se asila.
PERGUNTA: De que maneira renuncia?
RESPOSTA: Você renuncia de si mesmo. Quando você está doente procura o melhor dos médicos. Assim, quando você deseja proteger-se do sofrimento da existência mundana, toma refúgio na tríplice jóia: o Buda, que é o guia; o Dharma (ou religião) que é o caminho; e a Sangha que são os companheiros espirituais. Mas em última análise o refúgio está apenas no Buda, que é o refúgio final. O Buda são os três corpos do buda: o "Dharmakaya", ou corpo verdadeiro; o "Sambhogakaya", ou corpo de bênçãos; e o "Nirmanakaya", ou corpo aparente. O praticante assim reza: "Eu tomo refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha até atingir a iluminação; pelo mérito de fazer desta maneira, possam todos os seres alcançar o estado de Buda". Esta prece deve ser dita do fundo do coração, o maior número de vezes possível.
PERGUNTA: Os budas sofrem?
RESPOSTA: Não, eles não sofrem. Eles estão absolutamente livres do sofrimento.

AUTOBIOGRAFIA

AUTOBIOGRAFIA
Entrevista com Sua Santidade Sakya Trizin


PERGUNTA: Sua Santidade, o senhor poderia dar-nos uma idéia de sua vida?
RESPOSTA: Talvez eu tenha de começar contando a vocês o que aconteceu antes de meu nascimento. O título "Sakya Trizin" significa "Detentor do Trono de Sakya", e meu avô tinha sido o último Trizin em nossa família. Para ter um filho, meus pais foram em peregrinação ao monte Kailash, ao Nepal, a Lhasa e ao Sul do Tibet, mas não havia o menor sinal de que um filho pudesse nascer. Eles já tinham perdido todas as esperanças quando chegaram ao Mosteiro Nalanda, um importante Mosteiro Sakya, ao norte de Lhasa, e contaram aos abades do mosteiro sobre isso. Os chefes ficaram comovidos e muito preocupados, porque a linhagem da nossa família, a linhagem do Palácio Dolma, possuía a tradição do mais esotérico ensinamento Sakya e além disso muitos dos chefes do Mosteiro tinham recebido esses ensinamentos de meu avô, e assim para eles a continuação da nossa família era muito importante1. Eles pediram a meus pais para não perderem a esperança e ofereceram um dos seus melhores mestres para viajar com meus pais, o Lama Ngawang Lodro Rinchen. Representava grande perda para o Mosteiro, mas ele era umLama muito poderoso que poderia realizar todos os diferentes rituais, e em particular suas preces tinham causado o nascimento de crianças para mulheres que eram incapazes de ter filhos antes. Depois disto ele viajou com meus pais, e juntos fizeram muitos rituais e preces para que nascesse um filho. Por fim ficou claro que as preces foram atendidas, e meus pais foram para Tsedong, uma pequena e agradável cidade perto de Shigatse. Decidiu-se que ali era um bom lugar para uma criança nascer, particularmente talvez pela sua reputação como lugar de nascimento de muitos grandes mestres Sakya, como Ngachang Chenpo Ngawang Kunga Rinchen. De fato eu nasci no mesmo quarto de Ngachang Chenpo2. Um outro problema nasceu: a sucessão de dias inauspiciosos astrologicamente. Como meus pais queriam que eu nascesse num dia auspicioso, muitas preces foram feitas. E eu não nasci num dia ruim: nasci no primeiro dia do oitavo mês tibetano (7 de setembro, 1945), que é considerado muito bom. Diz-se que foram vistos sobre a casa arco-íris, e uma imagem de Guru Rimpochê foi oferecida a meu pai, o que eram bons sinais3; mas naturalmente eu não sabia de nada disto.
PERGUNTA: O que acontece quando um filho nasce na sua família sagrada?
RESPOSTA: A primeira coisa, logo que a criança nasce, é que a letra DHIH, a letra de Manjusri4 que representa palavra e sabedoria, é escrita na língua da criança com um néctar especial feito de açafrão e muitas outras coisas.
PERGUNTA: Quando o Senhor foi para Sakya?
RESPOSTA: Isto foi depois. Disse que meu nascimento foi celebrado em Tsedong, e foi depois disto que nossa família fez uma pequena peregrinação ao famoso santuário de Guru Rimpochê no Sul do Tibet. Depois disso nós retornamos a Sakya onde meu nascimento foi celebrado de novo de maneira mais elaborada.
PERGUNTA: Seus pais morreram quando o Senhor ainda era muito pequeno, não?
RESPOSTA: Sim. Eu não posso lembrar-me de minha mãe. Ela morreu quando eu tinha dois ou três anos, mas eu me lembro de sua irmã, minha tia. Ela foi como uma mãe, para mim. Meu pai morreu em 1950, quando eu tinha cinco anos. Disso eu me lembro muito bem.
PERGUNTA: Quantos anos tinha o Senhor quando os seus estudos começaram?
RESPOSTA: Eu tinha cinco anos. Naquele mesmo ano, Lama Ngawang Lodro Rinchen deu-me minha primeira lição sobre o alfabeto. Nós fomos a um especial altar de Manjusri em Sakya, onde ele me deu a consagração de Manjusri e Achala, e então foi trazida uma antiga cópia do alfabeto Tibetano escrita em ouro, que era usada especialmente pelos filhos de nossa família. Lama Ngawang leu as letras em frente da imagem de Manjusri e eu repeti depois dele. Isto era a cerimônia. Depois disto eu tive outro mestre de leitura.
PERGUNTA: Os seus estudos espirituais também começaram?
RESPOSTA: Sim. Tive de memorizar e recitar preces a Manjusri. Lembro-me claramente de tudo isto. Depois da cerimônia, tinha de soletrar sete horas por dia, seis dias por semana, por aproximadamente dois anos. Nós Tibetanos dizemos que quanto mais você pratica soletrando, mais rapidamente você estará apto a ler.
PERGUNTA: Onde o Senhor recebia ensinamentos religiosos nesse tempo?
RESPOSTA: Eu recebia consagrações freqüentemente. De fato, eu recebi as bênçãos de Amitayus5 para longa vida logo que nasci, de meu pai. Quando eu tinha quatro anos, recebi a Consagração de Vajra Kila (Dorje Phurba)6, de meu pai. Lembro-me disso muito claramente. Estava sentado no colo de uma atendente pessoal muito querida, e lembro-me, também, quando meu pai deu a parte irada da Consagração7, ele estava usando um chapéu e um costume do dançarino do chapéu preto, e fez rituais de dança. Lembro-me mesmo de quem tocou os instrumentos musicais!
PERGUNTA: Onde aconteceu isto?
RESPOSTA: No Palácio Dolma. O Palácio Dolma é um enorme palácio, com três principais santuários e muitas outras salas. Ao todo tem cerca de oitenta quartos, e todos os ensinamentos eram dados numa dessas salas de santuário8.
PERGUNTA: O Senhor saía algumas vezes do Palácio?
RESPOSTA: Ah, sim, mas não freqüentemente para a cidade. Havia uma área aberta muito ampla de campos ao redor do Palácio, e o rio corria quase perto. Quando não estava estudando, eu costumava sair com um atendente para brincar junto com outras crianças.
PERGUNTA: Quando seus estudos religiosos começaram seriamente?
RESPOSTA: Comecei a estudar leitura no verão de 1950, eno outono fui para o Mosteiro Ngor onde recebi o Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré). Meu Guru para isso foi o Lama Ngawang Lodro Shenphen Nyngpo, Abade da Khangsar Abadia de Ngor9.
PERGUNTA: De que maneira o Senhor se lembra dele?
RESPOSTA: Ele era um Lama muito santo, muito avançado espiritualmente, sempre muito calmo, muito lento nos movimentos, e ele fazia tudo com muita perfeição. Naquela época já era muito velho. Ele proferiu o ensinamento em seu próprio quarto para um pequeno grupo, talvez trinta ao todo. Naquele tempo eu era muito pequeno e quase não conseguia ler. Lembro-me de que eu estava no colo de Khangsar Shabdrung, o sucessor Abade, que segurava as páginas em minha frente e assim eu podia ler as preces introdutórias cada dia. Enquanto o Abade estava ensinando a parte Mahayana pude entender bastante bem, mas não pude entender a seção Tântrica muito bem10. Fiquei muito tempo com o Abade, e enquanto isso continuava a prática de soletração e leitura, lendo algumas biografias. Fiquei cerca de quatro meses em Ngor, estudando, e depois retornei a Sakya. No ano seguinte visitei Lhasa pela primeira vez e encontrei Sua Santidade o Dalai Lama que me confirmou como "designado Sakya Trizin". Fiquei quatro meses em Lhasa visitando muitos mosteiros ali e no Tibet Central. Nós visitamos Nalanda e também Samyé, e então retornamos através do Sul do Tibet onde visitei muitos lugares sagrados emosteiros em peregrinação11. Durante aquelas visitas eu trabalhava duramente memorizando o Hevajratantra, que é o texto básico da prática religiosa Sakya. Então, no início de 1952, fui entronizado numa cerimônia simples; como eu era então muito jovem a entronização total viria mais tarde. Eu tive de recitar completo o Hevrajratantra em frente dos monges oficiais e mestres do mosteiro tântrico em Sakya: isto era considerado um teste de habilidade por que todos os monges tinham de passar. Eu tinha apenas seis anos, mas é com felicidade que digo que passei recitando tudo corretamente. Depois disto, assisti à recitação mensal daquele Tantra por todos os monges do Mosteiro Tântrico: era a primeira cerimônia a que eu assistia ali. Depois deixei Sakya para assistir à entronização do Panchen Lama em Shigatse, que durou muitas semanas. Naquela viagem eu já fui com a total dignidade e acompanhamento de um Sakya Trizin. Retornei a Ngor no verão para receber o Ensinamento Esotérico Caminho-Resultado (Lamdré) de Khangsar Khenpo12, durante o qual ele teve de freqüentemente parar para dar outros Ensinamentos, como as instruções de Vajra-Yogini, o Zenpa Zidel e muitas outras importantes instruções. Ao todo, o curso durou um ano, até que eu tive de retornar a Sakya, a pedido dos chineses, para algumas palestras. No início de 1953, outra vez retorno a Ngor para retomar os estudos ali, mas infelizmente Khangsar Khenpo faleceu justamente antes que tivesse terminado o total ensinamento o que foi concluído por seu sucessor. Retornei a Sakya antes de setembro porque naquele ano eu testemunharia a cerimônia anual do ritual de Vajra Kila, que ocorre sempre no sétimo mês tibetano. A seguir iniciei um retiro de meditação de Hevajra no Palácio Dolma13.
PERGUNTA: Foi seu primeiro retiro?
RESPOSTA: Não. Quando recebi o primeiro Lamdré realizei o retiro de Amitayus e a seguir dei a consagração para meu Guru, Khangsar Khenpo. Também no intervalo entre os dois ensinamentos de Lamdré realizei o retiro de Bhutadamara, a especial forma de Vajrapani14, por um mês. Mas aquele foi o primeiro retiro maior que realizei. Durante o retiro, houve muitas dificuldades. Eu tinha um mestre muito rigoroso e tinha permissão de ver apenas minha tia, meus dois servidores e meu mestre. Ainda que eu estivesse muito bem durante todo o tempo, meu mestre caiu muito doente durante a primeira metade do retiro. Muito, muito doente e nós tínhamos muita dificuldade devido à sua doença. Todavia o retiro terminou com sucesso. E digo "nós" porque minha irmã15 fazia o mesmo retiro ao mesmo tempo, mas em quartos diferentes, a pouca distância. É claro que não nos era permitido encontrar-nos, mas comunicávamo-nos por notas escritas. Depois do retiro, meu mestre permaneceu doente por meses e durante este período tive umas longas férias! Fiquei um pouco selvagem e gostava de perambular e fazer o que me agradasse. Minha tia ficou um pouco preocupada e contratou um professor temporário para o qual eu tive de memorizar os textos do Vajra-Kila, seja para prática diária, seja para o longo ritual. Então naquele verão de 1954 o sucessor de Khangsar Khenpo foi convidado a Sakya para dar o Druthab Kuntu, a coleção de meditação tântricas e ensinamentos coligidos e editados pelo primeiro Khyentse Rinpochê16. Isto durou três ou quatro meses e foi realmente uma ocasião agradável. Todo o Ensinamento foi dado na casa de verão no nosso parque do Palácio Dolma, e Kungsar Shabdrung falava de uma maneira muito livre. Por aquele tempo, meu professor se recuperou da doença e ensinou-me o ritual de danças que vão com as práticas Kila. Em setembro, assisti às cerimônias de um mês de Kila. Eu não era o mestre de cerimônias naquele ano, mas tomei parte nas danças e assisti de perto as cerimônias diárias. O próximo passo foi receber o ensinamento Mahakala17 de Lama Ngawang Lodro Rinchen, depois do que fui direto para retiro para meditar naquele protetor por um mês. Eu recebi mais ensinamento Mahakala de Lama Ngawang, e o Thangtong Nying-Gyud de Drupchen Rinpoche, um grande iogue Nyngma e uma encarnação do santo tibetano Thangtong Gyalpo. E logo entrei num retiro de Vajra-Kila por três meses. Durante este tempo, minha irmã, que naquela época tinha dezesseis anos, estava dando o ensinamento de três meses de Lamdré. E nunca tinha feito o retiro de Kila, portanto eu fui consultado a dar-lhe a consagração quando terminasse o retiro. Esta foi a primeira maior consagração que dei. Cerca de sessenta monges vieram receber o Lamdré, mas muitas outras pessoas chegaram para a Consagração Kila: cerca de mil, eu penso. E isso tudo quando eu tinha nove anos.
PERGUNTA: Como o Senhor se lembra de Lama Ngawang Lodro Rinchen?
RESPOSTA: Ele era o Lama que me tinha causado ter renascimento humano18. Ele era verdadeiramente um Lama maravilhoso, muito rigoroso na observação dos papéis Vinaya de disciplina, nunca comia depois do almoço, nem usava peles nem camisas com manga. Seus braços estavam sempre descobertos, não importa quão frio fazia e não importa quão frio havia em Sakya — e Sakya era realmente um lugar muito frio — seu quarto estava sempre morno como se tivesse um aquecimento central. Na sua casa nós podíamos colher flores, nós podíamos buscar água. Em outro lugar nós nunca podíamos achar água durante o inverno: se nós puséssemos água numa garrafa ela logo congelava em poucos minutos equebrava a garrafa!
PERGUNTA: Sua Santidade teve uma infância árdua. Que diversão o Senhor experimentou?
RESPOSTA: Eu costumava divertir-me indo para os campos ao redor do Palácio. O rio corre quase perto do Palácio e eu gostava muito de ir lá. Lembro-me quando eu assistia à Cerimônia Kila era acompanhado pelos atendentes até minha casa, vindo da cidade de Sakya. Mas quando eles saíam, logo que eles estavam longe das vistas, eu imediatamente tirava todas as minhas roupas de cerimonial e corria para o rio. Eu gostava de banhar-me ali, mas mesmo em setembro a água era muito, muito fria, terrivelmente fria. E também eu gostava de ir para a casa de verão, no parque. Nós tínhamos um velho gramofone, daquele tipo que você tem de dar corda, e uma pilha de velhos discos, a maioria marchas militares britânicas, mas também algumas canções folclóricas tibetanas, e nós gostávamos muito de ouvir aquilo.
PERGUNTA: O Senhor visitou Lhasa outra vez?
RESPOSTA: Sim, no verão de 1955 recebi muitos ensinamentos esotéricos do Lama Ngawang Lodro Rinchen, e no outono fui outra vez a Lhasa. No inverno recebi alguns pequenos ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama. Mas Lhasa estava mudada. Quando a visitei pela primeira vez, em 1951, encontrei uma capital Tibetana juvenil, tradicional e bela. Mesmo então os chineses já tinham chegado, mas se viam poucos chineses nas ruas. Porém na minha segunda visita em 1955 eu me dirigi de jeep de Shigatse para Lhasa e num jeep chinês! e Lhasa estava cheia de jeeps e caminhões. Havia gente chinesa e mercadorias chinesas em toda parte.
Fiquei cerca de seis meses em Lhasa, dando alguns pequenos ensinamentos e realizando danças sagradas e preces. Foi nesta época que encontrei pela primeira vez o Venerável Jamyang Khyentse Rinpochê, e me tornei muito próximo dele, visitando-o freqüentemente. Recebi muitos ensinamentos Sakyas dele, mas a maior parte dos ensinamentos que recebi dele foram realmente Nyingmapa19. No início do ano seguinte fiz outra visita ao Sul do Tibet e depois retornei a Lhasa onde eu tive de participar do Comitê Preparatório Chinês, junto com Sua Santidade o Dalai Lama e Sua Santidade Gyalwa Karmapa20 e outros proeminentes Tibetanos. Mas logo as intenções chinesas ficaram muito claras, mas nós sentíamos que era melhor tentar contornar a situação da melhor maneira possível, sem violência. Em todo caso, nossa pátria não era poderosa, no sentido militar do termo.
Retornei para Sakya no verão e depois, naquele mesmo ano, Khyentse Rinpochê veio para Sakya. No inverno, Sua Santidade o Dalai Lama foi à Índia em peregrinação pelo Buddha Jayanti, uma celebração, e eu O encontrei em Shigatse em seu caminho para a Índia. Pouco depois eu também fui à Índia, em peregrinação, visitando os quatro mais sagrados santuários da peregrinação budista na Índia: Bodh Gaya, Lumbini, Sarnath e Kushinagara21. Fiquei na Índia cerca deois meses e então retornei a Sakya. No ano seguinte, 1957, outra vez cumpri um retiro de meditação de Vajra-Kila, e outra vez recebi a transmissão do Lamdré, desta vez do Abade do Mosteiro Tântrico em Sakya, o Venerável Jampal Sangpo.
PERGUNTA: Quando ocorreu a completa entronização de Sua Santidade?
RESPOSTA: Foi depois do ano novo, no início de 1959. Foi um acontecimento que exigiu muita preparação. No fim de 1959 a grande dança sagrada dos Protetores da Religião foi executada, e eu as presidi. A seguir, no ano novo, a entronização foi feita.
PERGUNTA: Como é desempenhada?
RESPOSTA: No Mosteiro Tântrico existe um grande pátio em frente ao templo que tem o telhado dourado. Neste templo está guardado o Trono Espiritual de Sakya Pandita, que está colocado ao lado do Trono Temporal de Chogyal Phagpa. Eu tive de sentar-me em cima deste e pregar um texto escrito por Sakya Pandita chamado A intenção do sábio22.
O ensinamento, que inclui uma pequena explanação, dura três dias. Depois disto, oferecimentos foram feitos por representantes de Sua Santidade o Dalai Lama, por representantes do Panchem Lama, de Sakya e de muitos outrosTibetanos assim como chineses, nesta ocasião. Depois disto foi feita uma grande procissão.
PERGUNTA: Isto deve ter ocorrido bem perto da sua vinda para a Índia, não?
RESPOSTA: Sim, eu saí para a Índia quase imediatamente depois.
PERGUNTA: Como o Senhor deixou o Tibet?
RESPOSTA: Foi uma coisa muito complicada. Naquele tempo as tensões estavam muito grandes e o povo só falava de Khampas e de Chineses, de Chineses e de Khampas. Nós fizemos muitas adivinhações e todas diziam a mesma coisa: que o Tibet estaria perdido e que muitas coisas terríveis poderiam acontecer. Mas nós ainda esperávamos. Até que um dia chegaram notícias de uma transmissão de rádio indiana que tinha havido uma batalha em Lhasa e que Sua Santidade o Dalai Lama tinha escapado para o sudoeste de Lhasa. Aí nós ficamos preocupados. Era impossível para mim sair diretamente de Sakya porque havia muitos espiões chineses. Assim eu fiz saber que estava saindo para um retiro num eremitério não muito longe de Sakya. Cheguei lá a salvo e mandei um aviso para minha tia e minha irmã juntarem-se a mim. Dali nós todos saímos de noite.
PERGUNTA: Qual foi a distância percorrida?
RESPOSTA: Não era muito grande a distância de Sakya para a fronteira do Sikkim. Nós chegamos com segurança ali cinco dias depois. Nosso grupo era constituído de apenas oito ou nove pessoas e, devido às circunstância, foi-me impossível levar comigo alguma das muitas coisas preciosas e sagradas que nós tínhamos em Sakya.
No Sikkim permaneci um mês em Lachen onde, lembro-me, comecei a aprender inglês e logo podia dizer algumas palavras simples. Logo recebi uma mensagem de Khyentse Rinpoche que dizia que ele estava muito mal em Gangtok, e assim eu fui até lá. A mensagem, de fato, foi trazida por um médico tibetano que tinha conhecido meu padrasto, ainda que eu não o conhecesse. Khyentse Rinpoche estava muito doente e eu fiz muitas preces para ele, mas ele ficou fraco e faleceu em julho de 1959.
Depois disto eu fui para Darjeeling e no inverno fiz uma peregrinação pela Índia e Nepal, retornando a Kalimpong e Darjeeling no início de 1960. Passei aquele ano e os dois subsequentes estudando filosofia com um Abade Sakya muito erudito chamado Khenpo Rinchen. Você vê, apesar de eu ter muitos ensinamentos e realizado muitos retiros no Tibet, eu nunca tinha tido tempo para estudar filosofia Mahayana muito bem, assim naqueles três anos aprendi filosofia Madhyamika, Lógica, Prajnaparamita, Abhidharma e outros assuntos. Então, no final de 1962, como houvesse uma guerra entre a Índia e a China, deixei Darjeeling e vim para Mussoorie.
O ano seguinte passei recuperando-me de uma tuberculose, mas no fim de 1963 já estava apto a assistir à Conferência Religiosa em Dharamsala. E em março de 1964 nós fundamos o Centro Sakya para funcionar como nosso principal mosteiro daí em diante, localizado aos pés de Mussoorie. Fui para Mussoorie receber aulas com o Venerável Khenpo Appey, um grande Mestre Sakya. Primeiro estudei os Tantras com ele e recebi muitas profundas explanações que ele tinha recebido de seu próprio mestre, o primeiro Deshung Rinpochê, o grande místico tibetano. Depois também estudei com ele filosofia Madhyamika, e além disso poética, gramática e aritmética. Em 1965 participei da segunda Conferência Religiosa em Bodh Gaya. Em 1966, peregrinei por Sanchi, nas cavernas de Ajanta e Ellora, mas apesar disso meus estudos continuaram ininterruptamente até 1967, quando Khenpo Appey foi para Sikkim. No inverno de 1967 eu ensinei o Lamdré pela primeira vez, em Sarnath. Eu tinha 22 anos, então. Cerca de 400 monges e talvez cerca de 100 leigos budistas participaram . No início do ano seguinte iniciamos nossa Instalação de Reabilitação Sakya, em Puruwala, para novecentos refugiados que vieram de Sakya. O lugar foi escolhido pela semelhança física com Sakya do Tibet, apesar de, naturalmente, ser muito mais quente.
Talvez eu devesse mencionar a sucessão de amigos do Oeste que ficaram ao meu lado durante aqueles anos, ajudando-nos no nosso trabalho de reabilitação, e com quem aprendi a falar o inglês.
Em 1970 um trágico acidente de motocicleta nos privou do Venerável Thutop Tulku, um monge jovem e muito capaz que organizou o Centro e a Instalação praticamente sozinho. Desde então, como eu já falava inglês bastante bem, assumi o trabalho de administração. Naquele outono, mudei-me para o Centro Sakya e desde então moro em Rajpur. 1971 e 1972 foram anos muito bons, pois o Venerável Chogye Tri Rinpoche estava conosco em Rajpur, dando a maior coleção de consagrações, a Gyude Kunta de Jamyang Khyentse Wangpo. Na primavera de 1974 casei-me e logo depois fiz a minha primeira visita ao Ocidente. Durante quatro meses visitei a Suíça, Inglaterra, o Canadá, os Estados Unidos e o Japão, dando ensinamentos religiosos e encontrando imigrantes tibetanos e budistas ocidentais. Em 19 de novembro de 1974 meu filho, Tungse Rinpoche, nasceu .
Na primavera seguinte, fomos em peregrinação ao completamente renovado mosteiro de Chogye Rinpoche em Lumbini, no Nepal. E depois disto eu fiquei dando ensinamento por um mês no nosso mosteiro Sakya em Boudhnath, Kathmandu. Mas para nossa grande tristezaminha tia, que me criou e em cujas decisões e trabalho eu me tinha apoiado durante toda minha meninice, faleceu. Em 1976 falei em Darjeeling. Conferi o Druthab Kuntu (Coleção de todas as Sadhanas) em Ladakh, Kashmir, e empreendi uma viagem de ensinamentos nos acampamentos de refugiados do Sul da Índia.
PERGUNTA: E no futuro?
RESPOSTA: Estou pensando muito em dar ensinamento no Ocidente outra vez.
PERGUNTA: Quem Sua Santidade considera ser seus principais Gurus?
RESPOSTA: Meu principal Guru foi Khangsar Khenpo, de quem recebi o Lamdré. Depois, meu pai; Khyentse Rinpoche; Khansar Shebdrung Rinpoche; Lama Ngawang Lodro Rinchen; e Sakya Khenpo Jampal Sangpo. Num grau menor Phende Khenpo, Drupchen Rinpoche e muitos outros.

BIOGRAFIA DE SUA SANTIDADE SAKYA TRIZIN


Considerando-se o calendário ocidental, Sua Santidade nasceu no dia 7 de setembro, dia nacional brasileiro. Era o ano de 1945. Vários sinais auspiciosos foram vistos no dia do seu nascimento. Seus pais morreram quando ele ainda era muito pequeno. Ele não se lembra de sua mãe, que faleceu quando ele tinha 2 ou 3 anos, mas lembra-se de sua tia, que foi a nova mãe. Seu pai faleceu quando ele tinha 5 anos. Foi seu pai quem lhe conferiu as bênçãos de Amitayus, divindade de longa vida, quando ele nasceu. Aos 4 anos, do pai ele recebeu a consagração de Vajrakilaya Seu o primeiro Landré foi recebido em 1950 , conferido por Shenphen Nyngpô (1876-1953), que era um santo tibetano (também guru de Jetsun Kusho). Em 1951 o atual Dalai Lama o confirmou como Sakya Trizin e ele, então com 6 anos de idade, passa a ser o chefe da linhagem Sakya, ou rei dos Sakyas. Seus discípulos Sakya o consideram uma emanação do Buda da Sabedoria (Manjusri). Seus discípulos ningma o consideram emanação de Guru Rimpochê. Com nove anos de idade, proferiu um ensinamento de Vajrakilaya para cerca de mil pessoas. Mas Sua Santidade era um garoto alegre e divertido, que gostava de banhar-se num rio que corria perto do palácio, de águas terrivelmente frias. Seu principal brinquedo era um gramofone de corda, onde ouvia velhos discos. Sua entronização ocorreu no ano de 1959, quando S.S. deu proferiu um ensinamento de 3 dias. Quase logo depois ele teve de exilar-se devido à invasão chinesa, abandonando os grandes tesouros espirituais e materiais que havia no palácio Dolma. Era um grupo de nove pessoas, incluindo sua tia e Jetsun Kusho. A princípio foram para o Sikkim, onde ele logo começou a aprender inglês, depois foi para Darjeeling. Na Índia, começou a organizar a tradição, o mosteiro, a universidade e o acampamento dos refugiados que vieram até ele. Já então falava fluentemente o inglês e criou o Centro Sakya. Em 1974 casou-se e fez sua primeira viagem ao Ocidente. Tem dois filhos: Sua Eminência Ratna Vajra Rinpochê , o mais velho, e Sua Eminência Jñana Vajra Rinpochê, o mais novo, ambos príncipes da Linhagem Sakya.

ORIGEM DA LINHAGEM SAKYA

ORIGEM DA LINHAGEM SAKYA
por
CHOGYE TRICHEN RINPOCHE

Os Detentores da linhagem, a família conhecida no Tibet como a família de Khon, os proprietários da tradição de Sakya. Para começar com, eu quero compartilhar com você algumas das qualidades especiais da linhagem de Sakya, às vezes conhecida como a linhagem que possui três nomes excelentes. Estes três nomes excelentes ilustram como a linhagem hereditária do Sakyas ocorreu. O primeiro destes nomes excelentes é "a linhagem hereditária dos deuses". Entender a razão para este nome, nós temos que saber que a origem dos detentores desta linhagem é achada entre os progenitores das pessoas do Tibet. Há muitas linhagens hereditárias que compõem as pessoas do Tibet. Entre estes, há seis da mais alta estima; esses são conhecidos como as seis linhagens familiares principais do Tibet. Acredita-se que essas seis famílias descendem dos devas, ou deuses. Entre esses seis, há duas famílias que se originam desses deuses da clara luz, ou prabhashvara-devas, cujos descendentes continuaram beneficiando a raça humana. Essas duas famílias são chamadas Khon e Zhalu, e são conhecidas por ter preservado a pureza das suas linhagens hereditárias. No princípio, é dito que de entre esses fundadores originais das pessoas do Tibet, havia três deuses que moravam no reino dos deuses da clara luz, chamados Kering, Ngoring e Tsering, que desceram dos domicílios celestiais para esse mundo. É dito que eles entraram no nosso mundo por Shelkar, A Montanha de Cristal, que fica situado na cordilheira conhecida como Namla no Tibet, na parte do norte distante, na região dos limites entre Tibet e Mongólia. Estes deuses desfrutavam de grande riqueza e esplendor. É dito que eles exibiram vários sinais dos deuses de riqueza, como a vaca de que satisfaz a todos os desejos e moravam no céu em uma mansão celestial dourada, um palácio decorado com turquesa e pedras preciosas e jóias.
Na hora da descida, eles resolveram residir perto dos ápices das montanhas de Namla. Nesses tempos antigos, havia alguns seres demoníacos que moravam nos contrafortes dessas montanhas e em cavernas debaixo da sua base. Poucos dias depois que chegaram os deuses no nosso mundo, os três deuses e os seus descendentes julgaram necessário subjugar algumas das forças demoníacas que freqüentavam o Tibet naquele tempo. Os deuses começaram um grande conflito e demorado entre sua própria tribo e um grupo de seres demoníacos não-humanos, da classe de rakshas, como eles são conhecidos na Índia. Finalmente, os deuses triunfaram, e o rei dos deuses descidos de clara luz destituiu o rei do rakshas, cujo nome era Sinpo Drakmema. Desse modo, a tribo de raksha foi derrotada. Um das filhas dos seres de raksha era uma princesa extremamente bonita chamada Yatuk Silima. Durante o curso da batalha entre os deuses e os rakshas, um caso de amor se desenvolveu entre a princesa raksha Yatuk Silima e um dos três deuses principais, o príncipe chamado Ngoring. Eles foram unidos em matrimônio, e do matrimônio uma criança nasceu chamada Khon Bar-kye. Khon quer dizer «ressentimento» ou «hostilidade» em Tibetano; e kye significa «nasceu entre». Assim, o significado pleno do nome é «nascido no meio de hostilidade», também significando «nascido entre hostilidade e amor»; quer dizer que é uma mistura dessas duas qualidades. Isto anuncia o começo das pessoas do Tibet. Desta história nós aprendemos que a fonte da família de Khon estava no reino dos deuses de luz clara (osaf), o prabhashvara-devas, que habitam um dos dezessete reinos dos deuses do reino da forma. Isto é, deste céu dos Deuses Claros que os antepassados celestiais da família Khon descendem há muitos milhares de anos mundiais atrás. Assim, a família de Khon é conhecida como os «descendentes dos deuses da clara luz» devido aos fatos históricos da sua origem, ou seja, o primeiro dos nomes excelentes deles é «a linhagem hereditária dos deuses»: A linhagem familiar produzida assim do resultado «entre o amor e o conflito», como é conhecida no Tibet a família de Khon. Conseqüentemente, o segundo nome excelente da família de Sakya é «a linhagem hereditária da família de Khon». A família de Khon produziu uma abundância de sagrados descendentes com grandes bênçãos espirituais ao longo das gerações. De Khon Barra-kye em diante, os descendentes da linhagem floresceram. Por examplo, mestres como Khon Dorje Rinchen era detentor de muitas das linhagens Nyingma. Numerosos grandes detentores vieram dessa família durante o Budismo de Tibet na era inicial que vem posteriormente ser conhecido como Nyingma, ou Velha Tradução. O período de Tradução Velha foi iniciado por Guru Padmasambhava, que trouxe o Dharma ao Tibet durante a primeira propagação do.....

terça-feira, 18 de março de 2008