OS GRANDES MESTRES TIBETANOS
Palestra Pública Proferida em Friday Harbour, WA/EUA, dia 28 de julho 1995
Sua Santidade Sakya Trizin (gravação e transcrição exclusiva de nosso centro, única em todo o mundo)
(Na foto de R. Samuel, S. S. Sakya Trizin recebe uma imagem de seu filho, S. E. Vajra Ratna Rinpochê, em Vajradhara Gompa, Austrália, durante o LanDré. * )
Primeiramente eu quero agradecer a oportunidade que vocês me deram para compartilhar de algumas histórias de vida dos antigos mestres. E já que o tema desta noite aqui é a vida dos grandes mestres do antigo Tibet eu gostaria de começar com uma prece dedicada aos grandes Mestres passados e enquanto eu recito os que receberam os Ensinamentos pensem nas imensas qualidades dos grandes mestres:
Paldem tsawei lama rinpoche
Dag gi chi wor pemei den sug ne
Kaadrin chen pe gone je sung te
Ku sung tug kyi ngo drub tsal du sol
Agora depois desta prece aos grandes mestres... Neste Universo no qual estamos residindo existem muitas diferentes raças, culturas, diferentes filosofias, mas uma coisa é comum a todos, é que todas as pessoas, todo ser vivo deseja estar livre do sofrimento. Todos desejam experimentar felicidades. Seja crente ou descrente, qualquer que seja a filosofia, qualquer que seja a tradição que você mantenha.
E para conseguir a felicidade todas as pessoas fizeram os seus melhores esforços. Para conseguir felicidade todas as nações construíram o progresso e para tanto muito trabalho foi realizado. Progresso científico e tecnológio. E houve muitas ações bem sucedidas, muitos problemas encontraram solução.
Mas é bastante claro que, sem desenvolvermos Sabedoria Profunda, o simples progresso material externo não nos dará muito sucesso quanto à paz e a felicidade que estamos perseguindo. Se o indivíduo não desenvolver a Sabedoria Profunda, o progresso material pode tornar-se mais um obstáculo do que um meio para consegui-lo.
E agora que estamos ingressando no novo Século ter Sabedoria Interior, progresso mental. Progresso material simultaneamente desenvolvendo a Sabedoria Interior, o Desenvolvimento Mental. Isto é muito importante.
E para conseguir esta Sabedoria Profunda temos atingir a meta da Paz Real e felicidade que buscamos.
E assim, para o desenvolvimento da grande sabedoria, neste mundo há muitas religiões. Eu pessoalmente acredito que todas as grandes religiões do mundo têm a sua beleza própria, a sua grandeza própria para desenvolver a bondade... mas como budista eu vou tentar apresentar o ponto de vista budista.
De acordo com o Ensinamento budista todos os seres viventes se tentarem seguir o desenvolvimento de um treinamento espiritual serão bem sucedidos, porque todos os seres viventes possuem a natureza búdica, o mesmo que dizer que a natureza mesma de nossas mentes, apesar de nunca estar totalmente livre de obscuridades, apesar de nunca estar livre de poluições, apesar disso a verdadeira natureza da mente é pura desde um tempo sem princípio, desde o sem princípio.
Mas neste momento nós não vemos a verdadeira natureza da mente que está completamente coberta de obscuridades e de poluição e de ilusões, divisões.
Em vez de ver a verdadeira natureza da mente é que, devido a não conhecermos a realidade é que nós nos inventamos como um "eu". E assim, devido a isto, para resolver o nosso sonho-de-um-eu nós nos aferramos a um "eu", como agregado do corpo, da mente, e tudo isso junto nós pegamos como um "eu" e isto é a fonte de toda a miséria e do sofrimento.
Para apropriadamente estarmos livres é preciso entrar no caminho espiritual e desenvolvendo aquela sabedoria profunda nós podemos eliminar as obscuridades, porque as obscuridades não são a natureza da mente, as obscuridades estão no nível da cobertura. Se as corrupções estivessem no nível da natureza da mente nada poderia ser transformado: o carvão não pode tornar-se branco por mais que o lavemos, porque a natureza do carvão é negra. Mas as corrupções não são a natureza da mente, elas são temporárias, assim com métodos corretos nós podemos eliminar as obscuridades, assim como uma roupa branca coberta de sujeira não deixa ver a real cor da roupa.
No momento nós não podemos ver a real natureza da mente porque está coberta de poluições.
O meio de eliminar essas corrupções á através do desenvolvimento do chamado Método e Sabedoria. O Método depende muito da Sabedoria. Se Sabedoria nós não podemos acumular o apropriado Método. Para acumular o apropriado Método nós precisamos de Sabedoria. E também para fazer brotar a Sabedoria nós necessitados do suporte do Método.
Com os dois juntos, o Método e a Sabedoria, é que uma pessoa pode eliminar todas as obscuridades. E quando as obscuridades são eliminadas você vê a verdadeira natureza da mente com a qual podemos ter sucesso, o que quer dizer, em outras palavras, atingir a Iluminação, com a qual teremos todos os meios para conseguir realizar todos os nossos desejos, e porque todas as obscuridades foram eliminadas todas as qualidades poderão se desenvolver. E por isso nossos próprios desejos, os nossos próprios propósitos são realizados, e ao mesmo tempo, através do desenvolvimento das qualidades, nós poderemos desenvolver o socorro a todos os seres.
Para conhecer as práticas espirituais é muito importante conhecer a vida dos grandes Mestres para que nos inspiremos a seguir os seus exemplos. Porque também os grandes Mestres foram todos pessoas comuns como nós, e como nós estiveram cheios de corrupções e cheios de obscuridades. Mas porque entraram no caminho espiritual, e devido à prática que fizeram com esforço puderam eliminar as obscuridades e desenvolver a Sabedoria e assim tiveram sucesso em suas práticas. Por isso é muito importante conhecer a biografia dos Grandes Mestres.
Também para fazer nascer a inspiração para a prática é muito interessante conhecer os grandes Mestres.
Como sabem, o Budismo começou na Índia. O Senhor Buddha nasceu na Índia e também atingiu a Iluminação na Índia. E também ali demonstrou suas grandes atividades físicas, suas grandes atividades verbais e suas grandes atividades mentais.
Mas a sua atividade mais importante ficou conhecida como "Girar a Roda", Girar a Roda do Dharma. O sentido disso é que a roda gira, pelo girar da roda é que nós atingimos nossa destino, ou seja, nós vamos de um lugar para outro.
Semelhantemente, girar a roda tem dois significados: um é que, grande realização tendo sido atingida pelo Buddha, através das palavras ele pôde transferi-la para nós, ou seja, assim como através da roda nós podemos viajar de um lugar para outro, através do girar a roda os seus Ensinamentos puderam se disseminar de um lugar para outro; outro sentido é que, primeiro nós ouvimos e aprendemos os Ensinamentos do Buddha, depois contemplamos, e a seguir meditamos sobre eles, e é através da meditação nós prosseguimos e vamos mais adiante no caminho espiritual.
Primeiramente vem do Buddha para nós, e depois num momento posterior nós também prosseguimos. Este é o sentido de girar a roda.
Por isso o girar a roda do Dharma é a maior atividade realizada pelo Buddha, porque através do girar a roda os seres foram capazes de eliminar as obscuridades e conseguir o sucesso posterior no caminho.
Depois que o Budismo se estabeleceu na Índia se disseminou em muitos países. Mas no Tibet, e graças à bondade de virtuosos Reis do Dharma, de seus ministros, de alguns panditas indianos, de tradutores, através deles o Tibet possui o completo Ensinamento do Buddha.
Ainda que em outras partes do mundo também possuam profundas doutrinas budistas, alguns têm apenas a parte hinayana, outras têm apenas a parte mahayana, outras têm a parte mantrayana (não completamente, mas têm).
O Tibet, porém, tem tudo, completo Ensinamento Hinayana, o completo Ensinamento Mahayana e o completo Ensinamento Mantrayana. E também tem as ciências relacionadas com a cultura budista, como a lógica, a arte e assim por diante.
O Tibet tem, não apenas o Ensinamento completo, mas o Mestres tibetanos tiveram a mesma realização que os Mestres indianos tiveram.
Diz-se que, certa vez um Mestre indiano chamado "Taba" Sangyê que era realmente um grande Mestre veio da Índia para o Tibet e ficou de um lado da montanha, quando do outro lado da montanha estava o grande Mestre tibetano Milarepa. Eles se conheciam e mandaram notícias um para o outro. Foi dito que de um lado da montanha estava o Mestre indiano, grande Mahasiddha, enquando se disse do outro lado que estava Milarepa. Ainda que naquele tempo não houvesse jornais (risos) mas havia algumas dakinis que levavam as mensagens de um para outro.
"Taba" Sangyê estava viajando para o outro lado para ver Milarepa, e Milarepa também foi do seu lado para o encontro.
Quando Milarepa estava próximo de "Taba" Sangyê ele desapareceu e transformou-se numa flor. E quando "Taba" Sangye chegou àquele lugar viu logo que aquela flor era Milarepa e... ele colheu a flor (risos). E ele disse: "Você tem aparecer para mim na sua verdadeira forma e não permanecer na forma de uma flor. Eu devo ver o seu verdadeiro corpo". E foi quando Milarepa apareceu e trocaram muitas experiências.
Finalmente, como por um milagre, os dois permaneceram sentados na postura de lótus sobre as folhas muito finas de uma espécie de capim. E, ainda que Milarepa fosse muito magro e pequeno, e ainda que "Taba" Sangyê fosse um homem muito grande e pesado, os dois se sentaram naqueles ramos muito finos e altos de capim sem vergá-los. Mas o peso de Milarepa parecia um pouquinho maior, pois o capim vergava um pouco.
Então se perguntou porque aquilo estava acontecendo, porque o leve Milarepa parecia levemente mais pesado. Então foi dito que era porque "Taba" Sangyê vinha da Índia, a pátria de todos os Buddhas do passado, do presente e do futuro, que era considerada um pouquinho mais sagrada do que o Tibet, ainda que o Tibet pudesse ser considerado um lugar sagrado mas não se igualava à Índia. Aquilo não acontecia devido à realização dos Mestres, mas sim devido à pátria de onde eles vinham. Não havia nenhuma diferença entre os dois no tocante à sua realização. É por isso que se diz que o Tibet herdou os Ensinamentos na sua pureza, e não há diferença de realização entre os Grandes Mestres Indianos e os Tibetanos. A única diferença está no lugar onde aqueles e estes nasceram.
E assim como cada um desses dois países tiveram grandes Mestres, também dentro do Tibet cada uma das quatro escolas do Budismo tiveram igualmente grandes Mestres. A escola Ningma, Sakya, Kagiu e Gelugpa tiveram todas elas grandes Mestres.
Da mesma forma a nossa tradição Sakya teve muitos grandes Mestres. Os antepassados da tradição Sakya tiveram Sete Grandes Khöns. Os Khön derivam diretamente de seres celestiais e mesmo naquele tempo antes do advento do Budismo eles eram emanações de Manjushri. Depois, quando o Budismo veio da Índia, essa tradição [Khön] cresceu na propagação do Buddha-Dharma e de fato um dos primeiros tibetanos a receber a completa transmissão e ordenação era um Khön, cujo nome era Nagarashita. Eram sete pessoas a receber a ordenação e ele era um dos mais jovens. Havia três velhos, um de meia idade, e três jovens. Nagarashita era o mais jovem. Todos eles se realizaram como monges completamente ordenados e isso foi muito auspicioso para o início da tradicão do mosteiro tibetano.
Nagarashita e seu irmão, Dorge Rinchem, receberam os profundos Ensinamentos diretamente de Guru Padmasambhava e por esta razão eles praticaram o se conhece como "antigos seguidores", o que em outras palavras eram os "Ningmapás".
Depois, o pai de Sachen Kunga Nyngpô, Khön Konchok Gyalpo, sentiu que devido às circunstâncias viera o tempo de estabelecer um escola separada; que, se ele começasse uma escola separada seria mais beneficioso; e assim a Escola Sakya foi estabelecida.
Khön Konchok Gyalpo estabeleceu o primeiro Mosteiro [Sakya]. Os Ensinamentos ali foram confiados aos Tradutores, porque o Ensinamentos que vieram dos tradutores eram considerados autênticos. Os Tradutores viajavam do Tibet para o Índia e ali se encontravam com os grandes Mestres indianos e recebiam os Ensinamentos.
Assim naquele tempo havia Dromi Lotsawa, um dos maiores tradutores. De fato, o grande Marpa, o fundador da Escola Kagiu, também estudou com Dromi Lotsawa. Dromi Lotsawa era um verdadeiro grande Mestre. Ele foi para a Índia e estudou com o grande "Karmalashila". Havia dois grandes Mosteiros naquele tempo na Índia. Um era Nalanda, e o outro era de "Karmalashila".
Ainda que em "Karmalashila" houvesse muitos outros sábios, ali havia seis grandes e renomados panditas. Ele eram conhecidos como os guardiães das portas, porque naquele tempo havia os budistas e os heréticos que vinham debatem sobre filosofia. Assim cada pandita estava sentado em cada uma das portas de cada lado. Quem viesse do Leste, o pandita da Porta do Leste iria desafiá-lo. Da mesma forma no Norte, e outros pontos cardeais... e no centro havia duas colunas de sustentação que completavam os seis grandes panditas. Dromi Lotsawa recebeu Ensinamentos com todos os seis panditas, ele era um grande Mestre também.
Principalmente Dromi Lotsawa recebeu de um Bikkhu (monge) chamado "Weel"Vajra o completo Tantra de Hevajra e completos Ensinamentos e instruções substanciais e a promessa de receber aquelas instruções em tibetano mesmo. Assim ele voltou para o Tibet e lá encontrou Gayadhara e de Gayadhara ele recebeu o Ensinamento LanDré.
Dromi Lotsawa foi o primeiro tibetano a receber o Ensinamento Landré, que é o principal Ensinamento Sakyapá que é o "Caminho e o Resultado Todos Juntos". Ele recebeu o LanDré e se transformou em real Dententor do Ensinamento. Teve muitos discípulos.